terça-feira, 8 de abril de 2008

com Joacyr no Rio de Janeiro/Allan Sales

Em 1983 eu estudava o 6º período de Licenciatura em Matemática na UFPE sem o menor entusiasmo para me dedicar ao futuro de professor nesta área de exatas. Paralelo a isso, encenava espetáculos de teatro como diretor musical e fazendo pontas como ator numa trupe comandada pelo dramaturgo Joacir de Castro. Ele velho militante comunista que tomou parte ativa no MCP dos tempos de Miguel Arraes antes do golpe de 1964. Após trancar a matrícula, para depois não mais voltar ao curso, resolvi me dedicar ao meu trabalho com teatro na peça “Alegria Alegria” de autoria do Joacir de Castro que era uma peça infantil baseada nos folguedos populares nordestinos, com teatro de bonecos, muita música e uma nada subliminar propaganda comunista que era de praxe na dramaturgia do velho camarada Joacir.
Fazíamos apresentações em escolas da rede privada e caímos nas graças da associação de escolas que empregavam o método Montessori em Pernambuco. Essas escolas, através de uma madame muito chique que fazia parte de uma entidade montessoriana de caráter internacional, fez o convite para que tomássemos parte no Congresso Latino Americano de Educação Montessori que aconteceria no Rio de Janeiro no campus da UERJ. Essa perua prometeu ao nosso grupo hotel, três refeições, além de uma oficina de arte-educação no âmbito do congresso que nos garantiria cobrir custos da viagem e ainda alguma remuneração como o que sobrasse. Trabalhamos duas semanas sem receber cachê juntando recursos para as passagens de ônibus e custeio da alimentação na viagem.
Ao chegar ao Rio de Janeiro ficamos sabendo que a elegante e escrota perua havia nos traído. Nada de hotel, ficamos hospedados na pousada o Projeto Rondon na Lapa, uma área degradada cercada de tráfico, delinqüência e prostituição. Isso sem direito às refeições que nos haviam sido prometidas. A oficina também não haveria, pois a madame havia nos vendido como “grupo folclórico” com direito de mostrar nossa peça apenas como atração no congresso e no encerramento deste num evento chamado de Noite das Américas. Coisa que nos deixava na mão, traídos e sacaneados tivemos que mambembar para ter o que comer e voltar ao Recife, já que o que nos renderia tão pífia participação no congresso fora do âmbito de arte educadores que éramos(viajamos com essa expectativa e promessa) não receberíamos o suficiente para custear nossa estadia no Rio de Janeiro.
Joacir conhecia uma diretora nacional da LBA no Rio e, através dela, conseguiu duas apresentações do nosso grupo em duas escolas da FEBEM na zona norte do Rio. Dona Lea Leal da LBA salvou nossa lavoura com esses dois espetáculos que permitiram durante uma semana comer cada par de membros da trupe um prato feito nos botecos do entorno da UERJ onde fomos barrados no baile. Foi uma semana estressante na cidade maravilhosa, com direito a uma cena pavorosa ao ver entrar na pousada em que estávamos um educador de Abreu e Lima-PE com o braço retalhado a navalhadas por estar de posse de pouca grana o que irritou os dois vagabundos que o assaltaram na porta do muquifo em que estávamos hospedados.
No penúltimo dia, eu voltava pra pousada com um chapéu de couro na cabeça (era parte do meu figurino que eu no meio do estresse em que estava metido esqueci de tirar), carregava uma mala enorme cheia de mamulengos da peça e meu inseparável violão a tiracolo. Uns 200 metros antes de chegar à pousada ouvi um grito pavoroso: mão na cabeça porra! . Era uma viatura da PM com os meganhas apontando seus trabucos na minha direção. Gelei ao ver um deles apontando para mim uma escopeta. O PM que pegou meus documentos riu e disse: é paraíba sargento. Todos riram, o sargento disse: abre essa porra aí. Caíram na gargalhada ao ver a mala aberta com todos aqueles mamulengos à mostra, coisa que não esperavam encontrar naquela abordagem escrota que me fizeram. Antes me liberarem depois do humilhante baculejo, um deles, muito atencioso disse: cuidado paraíba, esse lugar aqui é muito perigoso. Eu disse: realmente, isso aqui é muito perigoso.
No dia da volta Joacir me entrega as passagens para o Recife e uma modesta quantia em dinheiro. Marconi(músico) e Jairo(ator) que voltariam junto comigo no mesmo ônibus entraram em desespero ao ver aquela merreca que sobrou pra gente comer na estrada. Botei moral pra cima daqueles dois machos frouxos, mandei eles se acalmarem que eu daria um jeito. Fui numa padaria próxima à pousada e comprei dois pacotes de pão de caixa, um quilo mortadela fatiada, uma bandeja de ovos( que cosemos de favor na cozinha dos funcionários da pousada) e umas oito laranjas. Fiz uma tabela de racionamento dividindo em partes iguais aquele modesto farnel que seria nossa provisão até o Recife. Ainda na Bahia nossa comida acabou há mais de mil quilômetros do Recife. Passamos a tocar violão, flauta e percussão a bordo para esquecer a fome, coisa que sensibilizou uma boa alma que embarcou em Minas Gerais que ao saber do nosso miserê, matou nossa fome até o Recife e ainda entornou conosco várias garrafas de Velho Barreiro até nossa chegada na rodoviária do Cais de Santa Rita.
O Rio de Janeiro das antológicas canções de Tom Jobim ainda não foi dessa vez que eu conheci.

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